Tema recorrente nos tribunais pátrios é o prazo prescricional para restituição de valores em razão de desfazimento de negócio jurídico.
Em decisão recente, a justiça paulista reafirmou a jurisprudência dominante, trazendo o prazo prescricional de 10 anos, aplicável também em desfazimento de contrato de natureza consumerista, numa situação em que houve a ocorrência de venda casada comprovada.
Importante ressaltar que o STJ mantém o mesmo posicionamento sobre o prazo prescricional de 10 anos, há bastante tempo, em outros entendimentos (veja o link).
Desta forma, merece destaque a narrativa o julgamento estabelecido pela justiça paulista.
Justiça
de São Paulo afirma prazo de 10 anos para o consumidor ingressar com ação de
restituição e condena corretora LOPES na devolução de comissão de corretagem e
taxa SATI
Processo nº 1003925-56.2015.8.26.0100
Um
empresário de São Paulo, ao adentrar as dependências de um estande de vendas da
incorporadora EVEN em novembro de 2007, após ser apresentado ao futuro
empreendimento, decidiu por assinar um “Instrumento Particular de Promessa de
Venda e Compra de Unidade Autônoma”, referente a uma unidade residencial no
Condomínio DUO, localizado no bairro de Pinheiros.
Ocorre
que ao ingressar nas dependências do estande de vendas, o adquirente foi
recepcionado por vendedor da empresa LOPES, que ali se encontrava em caráter de
exclusividade para as vendas das unidades ainda na planta, motivo pelo qual não
havia funcionário algum da incorporadora (Even).
Ao
preencher o valor do cheque que deveria ser destinado ao pagamento do sinal do
preço do imóvel, o comprador foi impedido e obrigado pelo vendedor na emissão
de inúmeros outros cheques e valores, destinados posteriormente ao pagamento
indevido de suposta comissão de corretagem, além da taxa denominada SATI, sob
pena de não ser possível a assinatura do Contrato, em autêntica venda casada.
Tomando
conhecimento de que o entendimento prevalecente na jurisprudência do Estado de
São Paulo para solicitar a restituição dos valores é de até 10 anos contados do
pagamento, o comprador ingressou com uma ação de restituição de quantias pagas.
O
escritório MERCADANTE ADVOCACIA ajuizou o pedido de restituição em 19 de
janeiro de 2015 e em 03 de março de 2015, passados apenas um mês e meio, o Juiz
de Direito da 17ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, Dr. Felipe Poyares
Miranda, julgou PROCEDENTE a ação para condenar a corretora LOPES na
restituição dos valores pagos indevidamente a título de suposta comissão de
corretagem no valor de R$ 77.216,77 (setenta e sete mil, duzentos e dezesseis
reais e setenta e sete centavos), mais a taxa denominada “SATI”, no valor total
de R$ 13.068,00 (treze mil, sessenta e oito reais), acrescidos de correção
monetária desde a época do pagamento (novembro de 2007) e juros legais de 1% ao
mês.
Na
fundamentação da sentença, afirmou o magistrado o seguinte:
Sobre
a alegação da corretora de ocorrência de prescrição de 3 anos para o pedido de
restituição pela via judicial:
“Rejeito a prejudicial de prescrição, pois, como dito, a relação jurídica envolve diversos contratos (compra e venda, corretagem e serviços remunerados pela taxa SATI) sendo aplicável ao prazo a prescrição decenal prevista no art.205 do CC. Pelos documentos de fls.30 e ss, verifica-se que os pagamentos discutidos nos presentes autos foram efetuados a partir de janeiro de 2008, não tendo ainda decorrido o prazo prescricional de 10 anos.”
Sobre
a necessidade de restituição dos valores indevidamente pagos:
“Pelos documentos acostados aos autos, consta que a parte autora adquiriu o imóvel descrito na inicial, sendo-lhe cobrados valores, em virtude da compra e venda, a título de corretagem e a título de serviço de assessoria imobiliária (SATI), consoante fls. 30. As cobranças efetuadas pela ré violam o Código de Defesa do Consumidor. Em hipótese alguma se pode aceitar a cobrança da taxa de corretagem e do serviço SATI (serviço de assessoria imobiliária). Em nenhum instante da fase pré-negocial as rés prestaram de forma correta, clara e precisa as informações sobre ambas essas cobranças em total arrepio ao preceituado no art. 31 da Lei Consumerista. Quanto à taxa de corretagem, foi o próprio autor que se dirigiu sponte propria ao estande de vendas sem que tivesse havido nenhuma participação das rés nesse sentido. Quem contratou com a empresa corretora foi a proprietária que estava vendendo o imóvel, ora empresa vendedora e dona do negócio, e deve, pois, esta ser responsável por eventual custo com corretagem não se podendo olvidar que em linha de princípio a comissão de corretagem é de responsabilidade do comitente que solicita os bons ofícios do corretor. A cobrança pela corretagem somente pode recair sobre o consumidor se ele próprio procura o corretor para lhe apresentar imóveis, o que não se deu na espécie, pelo que já se afere dos documentos acostados aos autos.”
No
que concerne à taxa SATI:
“No que toca à cobrança pelo SATI, essa taxa onera o comprador em 0,88% do valor do imóvel à vista e se presta, em linha de princípio, para a contratação de um advogado indicado pela incorporadora para prestação de assessoria jurídica. A cobrança pelo SATI é ilegal por obrigar o consumidor a contratar um serviço como pré-requisito para adquirir o imóvel em autêntica venda casada. A taxa revela-se incabível, pois não se pode impor ao consumidor a contratação de advogado, sob pena de ferir o direito de escolha cabente a ele. Tal custo não pode ser repassado ao consumidor. O autor esteve uma única vez no estande de vendas e foi nessa única vez que a compra foi efetuada. Qual não foi sua surpresa no momento em que foi assinar o contrato de saber que só poderia assinar o contrato caso pagasse a taxa de corretagem e a taxa SATI. É de ser reconhecida a vulnerabilidade do autor na presente situação em face de sua condição de vulnerabilidade (Lei 8.078/90, art. 4º, I). Além disso, o autor foi posto em completo estado de sujeição sem nenhuma possibilidade de resistência, haja vista que somente depois de quatro, cinco horas, quando no momento crucial da assinatura do contrato é que lhe foi passada a informação da cobrança das malfadadas taxas. Cuida-se de verdadeira coerção sobre o consumidor a ameaçar a soberania de seu direito à livre escolha. Por sinal, o consumidor não poderia se dirigir a outro estabelecimento que o satisfizesse visto que o objeto de desejo de consumo era especificamente o imóvel em questão dada sua localização, características e preço. Ao impingir ao autor essa verdadeira surpresa indesejada, as rés deram de ombro com o princípio da boa-fé objetiva em patente prática abusiva nessa fase pré-contratual. Até para o “homem da rua” seria difícil explicar o comportamento das rés. De acordo com lição de Cândido Rangel Dinamarco (Fundamentos do Processo Civil Moderno. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, t. II, p. 1080): “l´uomo della strada é, na expressiva imagem de Piero Calamandrei, o leigo que, não estando envenenado pelos dogmas herdados e cultivados pelo jurista, tem muitas vezes uma sensibilidade mais aguçada ao que é justo, ao que é mais razoável, ao que é humanamente mais sensato”.
Na
espécie, é vedado ao fornecedor de produtos condicionar o fornecimento do
produto desejado (a venda do imóvel) ao fornecimento de outro serviço adicional
e não desejado (corretagem e assessoria imobiliária) forte na disposição do
art. 39, I, da Lei Consumerista (venda casada ou operação casada).
Esse
dispositivo legal contempla uma salvaguarda à livre escolha do consumidor a fim
de que sua liberdade na aquisição de produtos ou contratação de serviços não
seja cerceada. O consumidor não pode ser constrangido a adquirir algo de sorte
que não lhe convenha ou que lhe seja mais custoso.
Resultado
final:
Ao
final, julgou procedente o pedido para condenar a corretora LOPES na
restituição dos valores pagos indevidamente a título de suposta comissão de
corretagem no valor de R$ 77.216,77 (setenta e sete mil, duzentos e dezesseis
reais e setenta e sete centavos), mais a taxa denominada “SATI”, no valor total
de R$ 13.068,00 (treze mil, sessenta e oito reais), acrescidos de correção
monetária desde a época do pagamento (novembro de 2007) e juros legais de 1% ao
mês..
Fonte:
Tribunal de Justiça de São Paulo e Mercadante Advocacia
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