Fonte: O Globo (link)
Volume de recursos emprestados
triplica em 5 anos; há mais mil instituições no país
POR JOÃO SORIMA
NETO
22/08/2016 4:30 / atualizado 22/08/2016
16:00
Golpe de sorte. Depois de peregrinar por bancos, Rômulo Errico conseguiu
empréstimo em cooperativa para reformar prédio e transformá-lo em centro de cultura
oriental - O Globo / Edilson Dantas
SÃO PAULO - Para reformar um imóvel e instalar seu novo empreendimento —
um centro de cultura oriental, em São Paulo, dedicado ao ensino de arte
marciais e idiomas, além de tratamento de acupuntura —, o empresario Rômulo
Errico, de 35 anos, precisava de R$ 300 mil. Ao longo do ano passado, ele
peregrinou por vários bancos e esbarrou em muita burocracia e obstáculos, por
se tratar de uma empresa nova. Com as portas fechadas nos bancos, passou a
procurar uma cooperativa de crédito. Pesquisou e conversou com amigos até
encontrar uma instituição instalada na Avenida Paulista. Lá, apresentou seu
plano de negócios e formalizou o pedido de empréstimo.
— O gerente fez questão de conhecer o prédio que eu queria reformar. Depois fez simulações para saber como eu poderia pagar as prestações, e até se o meu plano de negócios era viável. Foi um atendimento mais pessoal e humano mesmo. E consegui os recursos com uma taxa de juros de 2,6% ao mês, muito abaixo da praticada pelos bancos — diz Ericco, lembrando que o centro funciona desde outubro passado e já tem 100 alunos.
No ambiente atual de crédito escasso e com os bancos mais restritivos
para fazer empréstimos, as cooperativas de crédito estão se tornando uma
alternativa para empresas como as de Rocco, sem histórico de crédito, ou a
pessoas físicas que buscam empréstimos, seja para tocar seus negócios ou
desafogar o orçamento apertado.
Dados do Banco Central mostram que 8,7 milhões de brasileiros já são
“cooperados” — clientes e ao mesmo tempo sócios dessas instituições.
Contingente que dobrou nos últimos cinco anos, segundo o BC, que é responsável
pela regulação e fiscalização das cooperativas.
O volume de recursos emprestados pelas cooperativas também cresceu quase
três vezes em cinco anos: saltou de R$ 26 bilhões, em 2010, para R$ 73 bilhões
no fim do ano passado. Com esse volume de empréstimos, juntas, as cooperativas
de crédito do país já têm porte equivalente ao do sexto maior banco do país por
saldo de carteira, segundo dados levantados pela consultoria Austin Ratings.
MAIS DE MIL INSTITUIÇÕES NO PAÍS
Neste ano, apenas, enquanto os bancos amargaram queda de 6,7% nas
concessões de crédito no primeiro semestre, as cooperativas tiveram crescimento
de 8,3% no mesmo período.
— Enquanto os bancos estão fechando a torneira do crédito, as cooperativas vão no sentido contrário. A proximidade com os cooperados traz mais confiança e facilita a análise de risco, já que ele torna-se sócio do negócio — explica Thiago Borba, coordenador de crédito da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).
Originalmente direcionadas ao crédito agrícola, hoje há no país
cooperativas de médicos, empresários entre outras, uma vez que o Banco Central
autorizou há alguns anos a livre admissão nessas instituições. Assim, qualquer
trabalhador pode se tornar cooperado, mesmo que não pertença à categoria
profissional representada. Para se tornar cooperado, é preciso um aporte de
capital e o interessado tem de morar próximo da área de atuação da cooperativa.
— O brasileiro ainda desconhece as cooperativas, especialmente nos grandes centros urbanos onde o volume de depósitos ainda é muito pequeno — diz Borba, da OCB.
Atualmente, segundo a OCB, existem mais de mil cooperativas espalhadas
pelo país, com cerca de 5,5 mil postos de atendimento. Muitas estão em
municípios onde nem existe agência bancária. Como não têm fins lucrativos, as
cooperativas podem emprestar a juros mais baixos do que os dos bancos.
O que explica a taxa de juros de 2,6% conseguida pelo empresário Rômulo
Rocco. Nos bancos, a taxa média de empréstimos para pessoas jurídicas hoje está
em 4,6%. A taxa de cadastro para iniciar relacionamento, por exemplo, custa em
média R$ 5 nas cooperativas, enquanto nos bancos a média é de R$ 15.
— O dinheiro que emprestamos vem dos depósitos dos associados — diz
Jaime Basso, presidente da Sicredi Vale do Piquiri, lembrando que os cooperados
rateiam os ganhos obtidos na gestão financeira das operações, se o resultado
for positivo. O ‘spread’ obtido nas operações serve para pagar os gastos
operacionais da cooperativa, como estrutura, funcionários, tecnologia. O
resultado líquido, após os custos, chamadas sobras, é que é distribuído aos
cooperados.
Basso diz que o fato de os cooperados serem sócios do negócio torna a
inadimplência baixa, sem revelar números. Nos bancos, a inadimplência vem
crescendo desde o ano passado, com o aprofundamento da recessão e aumento do
desemprego, e está atualmente em 3,5%.
O risco do cooperado é a empresa falir ou ter prejuízo, situação que
exigirá a cobertura dos demais associados. Mas, nos últimos anos, não há
registros de liquidações judiciais de cooperativas, de acordo com o BC.
O caso mais conhecido de quebra de uma dessas instituições foi o da
Cooperativa Agrícola de Cotia (CAC) nos anos 90. Ela chegou a ser apontada como
a maior “cooperativa do mundo”. Seu próprio gigantismo, apostas erradas em
investimentos e a benevolência com sócios que não quitavam débitos levaram a CAC
à falência, deixando um rastro de dívidas de mais de R$ 3 bilhões.
Para dar mais segurança aos cooperados, foi constituído o Fundo
Garantidor do Cooperativismo de Crédito, que cobre até R$ 250 mil por recursos
aplicados pelos cooperados em caso de quebra da instituição, assim como
acontece com os bancos. De acordo com o Banco Central, as cooperativas também
têm limites operacionais, com regras semelhantes as de Basiléia para os bancos.
Além disso, informa o BC, para ser autorizada a operar, a cooperativa precisa
da aprovação do plano de negócios, com viabilidade num horizonte de três anos,
e “inexistência de restrições em relação aos administradores”.
— Elas são mais flexíveis para oferecer crédito, mas isso não significa
que não exijam garantias do tomador. Além disso, muita gente não sabe que pode
abrir conta, fazer seguros ou investimentos, como fundos ou poupança. Ou mesmo
ter cartão de crédito nas próprias cooperativas, com taxas mais atraentes — diz
Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor de pesquisas econômicas da Associação
Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), lembrando que para pequenas
empresas que têm muita dificuldade de obter recursos nos bancos, as
cooperativas são uma opção interessante para obter empréstimos e até mesmo
capital de giro.
PARTICIPAÇÃO NO SISTEMA FINANCEIRO É DE 3%
Rosimeire Marcondes, gerente financeira da Assurance IT, uma empresa de
serviços de tecnologia, conta que foi buscar capital de giro numa cooperativa
pelas condições mais vantajosas de juros. Como a empresa trabalha com muitos
prestadores de serviços e precisa pagar os funcionários antes de receber dos
clientes (que faturam o pagamento em até 90 dias) o caixa às vezes fica
vulnerável. Desde 2014, já foram três empréstimos para capital de giro: de R$
400 mil, R$ 1 milhão e R$ 1,8 milhão:
— Neste último, demos como garantia um imóvel. E a taxa de juros foi bem
interessante, de 1,7% ao mês.
No mercado, segundo a Anefac, a taxa média de juros para capital de giro
está em 2,6%.
Mesmo assim, Rosimeire ressalta que, até a liberação do dinheiro, o
processo de análise de crédito foi bem criterioso e levou tempo.
Nos próximos anos, a expectativa é que as cooperativas ganhem mais
participação no sistema financeiro. Hoje, elas representam apenas 3%. Até 2025,
o desafio é atingir dois dígitos.
— Em países como a Alemanha, o total de ativos das cooperativas já
representam 30% dos ativos do sistema financeiro. Na França, já chegam a 50% —
diz Borba, da OCB.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/economia/com-juros-altos-restricao-de-bancos-cooperativas-de-credito-avancam-19967899#ixzz4J6hKISjw
© 1996 - 2016. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização.
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